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segunda-feira, 31 de julho de 2017

Concorrência desleal

Super corredores amadores se preparam para a prática esportiva melhorando bem o VO2 max e contando com o apoio de profissionais do esporte que guiam sua evolução.

As melhores marcas médias de super corredores amadores são, em geral, na faixa de 1h20min a 1h30min nos 21 km e 3h a 3h20min na maratona — ainda muito distantes do que conseguem os melhores fundistas do planeta. Os motivos para esse abismo na prática esportiva são dissecados aqui pelo treinador cubano Lázaro Velázquez:


1) Na idade de início da prática esportiva organizada e planejada, existem as chamadas fases sensíveis do desenvolvimento das capacidades físicas. Por exemplo: se um indivíduo do sexo masculino não desenvolver o trabalho de velocidade nas idades de 7 a 9 anos e de 13 a 15 anos, pode nunca alcançar seu máximo potencial. Acontece igual com o desenvolvimento aeróbico, muito importante entre os 13 e 16 anos, etapa em que deve receber os estímulos adequados para alcançar seu máximo potencial no futuro.

2) O início tardio na prática esportiva pode levar a lesões frequentes, o que influencia negativamente a performance psicológica do atleta.

3) Falta tempo para verdadeiramente se desenvolver um trabalho profissional, composto por treino (número de seções/ano), recuperação-descanso (meios modernos que aceleram a recuperação) e alimentação.

4) Carência de equipes multidisciplinar e interdisciplinar focadas no alto rendimento. Lembremos que o trabalho de alto rendimento, por ser caro, é focado em poucos atletas, para os quais dão 100% de atenção.

5) Além desses fatores, os melhores corredores de resistência do planeta têm, geneticamente, uma composição das fibras musculares adequadas. Mas não basta só ter maior quantidade de fibras lentas; elas têm de ser treinadas para ser recrutadas no momento certo. Possuem também menor acidose metabólica a ritmos elevados (o que leva a uma menor acumulação de ácido lático); capacidade maior de mobilizar ácidos graxos durante a corrida de longa duração; um altíssimo VO2 max e uma elevada economia de enercapagia a elevados ritmos de corrida, qualidade desenvolvida desde as fases sensíveis, dos 6 aos 13 anos de idade, em ambos os sexos. 

Os tops costumam possuir um biotipo privilegiado de canelas finas, pernas mais longas em relação ao tronco, corpos muito leves, entre outras características, e um preparo psicológico capaz de suportar os diferentes tipos de fadiga.

Quem deseja, mesmo assim, lutar contra o impossível, tem que passar, segundo Lázaro, por algumas distâncias e marcas-base: 8min30s nos 3.000 metros, 14min30s nos 5.000, sub30min nos 10.000 e 1h06 na meia-maratona. Só chegando perto dessas marcas seria possível sonhar com uma maratona sub-2h20, feito que classificou os atletas para a Olimpíada do Rio 2016 (índice de 2h19). Daí a brigar por vitórias em maratonas importantes exigiria tempos já abaixo de 2h10min, como as 2h08min44 que deram o ouro na Olimpíada do Rio para Eliud Kipchoge, queniano, claro!

E, caro sonhador, caso a sua loucura por alcançar os tops persista, como enfrentará outra determinante implacável, chamada de “lastro fisiológico” — as gerações e gerações de quenianos que, desde a infância, provocados por fatores ambientais e socioeconômicos (altitude, falta de conforto, busca de alimentos e água, distâncias grandes até a escola etc.) percorrem quilômetros e quilômetros a pé todos os dias?

Fonte: https://www.ativo.com/corrida-de-rua/performance/diferencas-geneticas-pratica-esportiva/

domingo, 23 de julho de 2017

Devagar – ou quase – e sempre



De uns tempos para cá, exercitar-se parece ter virado sinônimo de exaustão. Bastam alguns minutos observando o feed do Instagram de celebridades fitness para confirmar a abrangência do ditado americano “no pain, no gain” (sem sofrimento, sem recompensa). São golpes de boxe e muay thai e circuitos de corrida em alta velocidade, seguidos por abdominais, flexões, agachamentos, tudo ao mesmo tempo agora. A ordem é acelerar, parar bruscamente, levar o corpo ao limite, contando com os benéficos queimadores de calorias e definidores de músculos a curto prazo do HIIT, ou High Intensity Interval Training. Ele provoca uma montanha russa do ritmo cardíaco, que chega fácil aos 90% de sua capacidade.

Cansou só de pensar? Pois nesta temporada o jogo parece ter mudado e um novo conceito fitness provou-se eficaz o suficiente para recomendar enfática e calmamente: de-as-ce-le-re. Há, sim, recompensa sem tanto sofrimento do lado oposto, onde habitam atividades físicas moderadas clássicas. Elas fazem parte da categoria chamada LISS (Low Intense Steady State), ou treino estável de baixa intensidade. Sem desespero e com duração de pelo menos 30 minutos, ele mantém o ritmo cardíaco regular e pode ser ainda mais poderoso para queimar gorduras e emagrecer, proteger músculos, controlar o estresse e até produzir novos neurônios relacionados à memória e ao aprendizado.

Modalidade que dá nome às práticas que conhecemos de outros carnavais – como o transporte da academia, a natação, a bicicleta e a ioga –, o LISS provoca uma aceleração tímida do coração, e eis aí a peça-chave do processo. Por ser mais ameno, o exercício exige uma frequência cardíaca em torno de 70% do limite. “Nessa intensidade, o órgão passa a ejetar mais sangue a cada movimento e o corpo se torna mais eficiente para usar gordura como fonte de energia”, afirma o médico Turibio Leite de Barros, referência em fisiologia do esporte no Brasil e nos Estados Unidos, onde atua. No HIIT e em outros exercícios de alta intensidade, o metabolismo acelerado propicia o consumo de carboidrato, o que gera queima de pouquíssima gordura durante o treino, mas favorece o desenvolvimento de massa muscular. Embora seja menor eficaz para trincar os músculos, o LISS tem a vantagem de ser menos agressivo. “Exercícios de alta intensidade tendem a sobrecarregar tendões, músculos, joelhos. A filosofia do LISS também está voltando porque agride menos o corpo”, conta o ortopedista Moisés Cohen, um dos maiores especialistas em medicina esportiva do país.

Responsável por lapidar o corpo de celebridades, o personal trainer Marcio Lui afirma que, passado o Carnaval, no período que se estende do inverno até outubro, dá a suas alunas treinos diferentes do habitual, que emagrecem sem sobrecarregar os músculos. Marcio diminui os exercícios de maior intensidade e preenche boa parte da semana com práticas de corrida (que também é considerada LISS, quando há controle de batimentos cardíacos) e bike, por exemplo. “No inverno, concentro as aulas no LISS, como uma espécie de manutenção do corpo. A ideia é focar numa frequência cardíaca moderada, em movimentos constantes e de longa duração, o que tende a queimar mais gordura”. Guru fitness de modelos da Victoria´s Secrets, o ex-pugilista britânico Michael Olajide faz o mesmo com suas alunas. Para evitar que ganhem peso quando estão longe das passarelas, reduz a frequência cardíaca dos exercícios e alonga o treino. Ele garante que o método tem também benefícios para a beleza. “Cuidar da função cardiorrespiratória é o melhor anti-aging que há para o corpo e para a mente”, afirma. Aos 53 anos, ele sente na pele o que a ciência da comprovou: o LISS reduz a pressão arterial, assim como os hormônios ligados ao estresse.

Em 2016, a Dra. Miriam Nokia, do departamento de Psicologia da Universidade de Jyvaskyla, na Finlândia, publicou as conclusões do estudo que liderou sobre os efeitos do LISS no cérebro. Sua equipe usou três grupos de ratos para demonstrar como a geração de novos neurônios pode ser afetada de forma diferente pelo esporte, dependendo da modalidade eleita. Um grupo fez exercícios em rodinhas giratórias, por vários quilômetros ao dia. Outros, treinamentos de resistência com pesinhos. O último, HIIT. Os ratos do primeiro grupo, praticantes de LISS, desenvolveram novos neurônios ligados ao hipocampo, área do cérebro responsável pela memória e pela capacidade de aprendizagem. “Ocorre também uma clara melhoria na diminuição do envelhecimento cerebral”, afirma a fisioterapeuta Louisiana Meireles, cujo tema de doutorado na Universidade do Rio Grande do Sul e na Icahn School od Medicine, de Nova York, relaciona memória e atividades físicas.

Por outro lado, é preciso praticar o LISS corretamente para que ele tenha efeitos positivos. “Há evidências cientificas sobre a ineficácia deste tipo de exercício quando feito abaixo do recomendado”, alerta o professor de educação física, Vitor Ulisses de Melo, membro da Sociedade Brasileira de Fisiologia. “É preciso manter a frequência cardíaca em nível moderado, a partir de 60% do limite máximo. E praticar o exercício aeróbico por pelo menos meia hora, no mínimo três vezes por semana”, afirma. Em suma, siga devagar – ou quase – e sempre.

Fonte: Revista Elle, junho 2017