De uns tempos para cá,
exercitar-se parece ter virado sinônimo de exaustão. Bastam alguns minutos
observando o feed do Instagram de celebridades fitness para confirmar a abrangência
do ditado americano “no pain, no gain” (sem sofrimento, sem recompensa). São
golpes de boxe e muay thai e circuitos de corrida em alta velocidade, seguidos
por abdominais, flexões, agachamentos, tudo ao mesmo tempo agora. A ordem é
acelerar, parar bruscamente, levar o corpo ao limite, contando com os benéficos
queimadores de calorias e definidores de músculos a curto prazo do HIIT, ou
High Intensity Interval Training. Ele provoca uma montanha russa do ritmo
cardíaco, que chega fácil aos 90% de sua capacidade.
Cansou só de pensar? Pois
nesta temporada o jogo parece ter mudado e um novo conceito fitness provou-se
eficaz o suficiente para recomendar enfática e calmamente: de-as-ce-le-re. Há,
sim, recompensa sem tanto sofrimento do lado oposto, onde habitam atividades
físicas moderadas clássicas. Elas fazem parte da categoria chamada LISS (Low
Intense Steady State), ou treino estável de baixa intensidade. Sem desespero e
com duração de pelo menos 30 minutos, ele mantém o ritmo cardíaco regular e
pode ser ainda mais poderoso para queimar gorduras e emagrecer, proteger
músculos, controlar o estresse e até produzir novos neurônios relacionados à
memória e ao aprendizado.
Modalidade que dá nome às
práticas que conhecemos de outros carnavais – como o transporte da academia, a
natação, a bicicleta e a ioga –, o LISS provoca uma aceleração tímida do
coração, e eis aí a peça-chave do processo. Por ser mais ameno, o exercício exige
uma frequência cardíaca em torno de 70% do limite. “Nessa intensidade, o órgão passa
a ejetar mais sangue a cada movimento e o corpo se torna mais eficiente para
usar gordura como fonte de energia”, afirma o médico Turibio Leite de Barros,
referência em fisiologia do esporte no Brasil e nos Estados Unidos, onde atua.
No HIIT e em outros exercícios de alta intensidade, o metabolismo acelerado
propicia o consumo de carboidrato, o que gera queima de pouquíssima gordura
durante o treino, mas favorece o desenvolvimento de massa muscular. Embora seja
menor eficaz para trincar os músculos, o LISS tem a vantagem de ser menos
agressivo. “Exercícios de alta intensidade tendem a sobrecarregar tendões,
músculos, joelhos. A filosofia do LISS também está voltando porque agride menos
o corpo”, conta o ortopedista Moisés Cohen, um dos maiores especialistas em
medicina esportiva do país.
Responsável por lapidar o
corpo de celebridades, o personal trainer Marcio Lui afirma que, passado o
Carnaval, no período que se estende do inverno até outubro, dá a suas alunas
treinos diferentes do habitual, que emagrecem sem sobrecarregar os músculos.
Marcio diminui os exercícios de maior intensidade e preenche boa parte da
semana com práticas de corrida (que também é considerada LISS, quando há
controle de batimentos cardíacos) e bike, por exemplo. “No inverno, concentro
as aulas no LISS, como uma espécie de manutenção do corpo. A ideia é focar numa
frequência cardíaca moderada, em movimentos constantes e de longa duração, o
que tende a queimar mais gordura”. Guru fitness de modelos da Victoria´s
Secrets, o ex-pugilista britânico Michael Olajide faz o mesmo com suas alunas.
Para evitar que ganhem peso quando estão longe das passarelas, reduz a frequência
cardíaca dos exercícios e alonga o treino. Ele garante que o método tem também benefícios
para a beleza. “Cuidar da função cardiorrespiratória é o melhor anti-aging que
há para o corpo e para a mente”, afirma. Aos 53 anos, ele sente na pele o que a
ciência da comprovou: o LISS reduz a pressão arterial, assim como os hormônios
ligados ao estresse.
Em 2016, a Dra. Miriam Nokia,
do departamento de Psicologia da Universidade de Jyvaskyla, na Finlândia,
publicou as conclusões do estudo que liderou sobre os efeitos do LISS no cérebro.
Sua equipe usou três grupos de ratos para demonstrar como a geração de novos
neurônios pode ser afetada de forma diferente pelo esporte, dependendo da
modalidade eleita. Um grupo fez exercícios em rodinhas giratórias, por vários
quilômetros ao dia. Outros, treinamentos de resistência com pesinhos. O último,
HIIT. Os ratos do primeiro grupo, praticantes de LISS, desenvolveram novos
neurônios ligados ao hipocampo, área do cérebro responsável pela memória e pela
capacidade de aprendizagem. “Ocorre também uma clara melhoria na diminuição do
envelhecimento cerebral”, afirma a fisioterapeuta Louisiana Meireles, cujo tema
de doutorado na Universidade do Rio Grande do Sul e na Icahn School od
Medicine, de Nova York, relaciona memória e atividades físicas.
Por outro lado, é preciso
praticar o LISS corretamente para que ele tenha efeitos positivos. “Há
evidências cientificas sobre a ineficácia deste tipo de exercício quando feito
abaixo do recomendado”, alerta o professor de educação física, Vitor Ulisses de
Melo, membro da Sociedade Brasileira de Fisiologia. “É preciso manter a frequência
cardíaca em nível moderado, a partir de 60% do limite máximo. E praticar o
exercício aeróbico por pelo menos meia hora, no mínimo três vezes por semana”,
afirma. Em suma, siga devagar – ou quase – e sempre.
Fonte: Revista Elle, junho
2017
2 comentários:
Isso não é igual aos treinos de velocidade intercalados aos treinos de regeneração ativa ao longo da semana? Se for, eu pratico essas duas siglas complicadas na corrida desde... sempre :D
É, acho que é isso ai, Thiago!
Essas siglas são apenas uma forma meio científica de definir o que já sabemos ou praticamos intuitivamente. Beijos!
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