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domingo, 23 de julho de 2017

Devagar – ou quase – e sempre



De uns tempos para cá, exercitar-se parece ter virado sinônimo de exaustão. Bastam alguns minutos observando o feed do Instagram de celebridades fitness para confirmar a abrangência do ditado americano “no pain, no gain” (sem sofrimento, sem recompensa). São golpes de boxe e muay thai e circuitos de corrida em alta velocidade, seguidos por abdominais, flexões, agachamentos, tudo ao mesmo tempo agora. A ordem é acelerar, parar bruscamente, levar o corpo ao limite, contando com os benéficos queimadores de calorias e definidores de músculos a curto prazo do HIIT, ou High Intensity Interval Training. Ele provoca uma montanha russa do ritmo cardíaco, que chega fácil aos 90% de sua capacidade.

Cansou só de pensar? Pois nesta temporada o jogo parece ter mudado e um novo conceito fitness provou-se eficaz o suficiente para recomendar enfática e calmamente: de-as-ce-le-re. Há, sim, recompensa sem tanto sofrimento do lado oposto, onde habitam atividades físicas moderadas clássicas. Elas fazem parte da categoria chamada LISS (Low Intense Steady State), ou treino estável de baixa intensidade. Sem desespero e com duração de pelo menos 30 minutos, ele mantém o ritmo cardíaco regular e pode ser ainda mais poderoso para queimar gorduras e emagrecer, proteger músculos, controlar o estresse e até produzir novos neurônios relacionados à memória e ao aprendizado.

Modalidade que dá nome às práticas que conhecemos de outros carnavais – como o transporte da academia, a natação, a bicicleta e a ioga –, o LISS provoca uma aceleração tímida do coração, e eis aí a peça-chave do processo. Por ser mais ameno, o exercício exige uma frequência cardíaca em torno de 70% do limite. “Nessa intensidade, o órgão passa a ejetar mais sangue a cada movimento e o corpo se torna mais eficiente para usar gordura como fonte de energia”, afirma o médico Turibio Leite de Barros, referência em fisiologia do esporte no Brasil e nos Estados Unidos, onde atua. No HIIT e em outros exercícios de alta intensidade, o metabolismo acelerado propicia o consumo de carboidrato, o que gera queima de pouquíssima gordura durante o treino, mas favorece o desenvolvimento de massa muscular. Embora seja menor eficaz para trincar os músculos, o LISS tem a vantagem de ser menos agressivo. “Exercícios de alta intensidade tendem a sobrecarregar tendões, músculos, joelhos. A filosofia do LISS também está voltando porque agride menos o corpo”, conta o ortopedista Moisés Cohen, um dos maiores especialistas em medicina esportiva do país.

Responsável por lapidar o corpo de celebridades, o personal trainer Marcio Lui afirma que, passado o Carnaval, no período que se estende do inverno até outubro, dá a suas alunas treinos diferentes do habitual, que emagrecem sem sobrecarregar os músculos. Marcio diminui os exercícios de maior intensidade e preenche boa parte da semana com práticas de corrida (que também é considerada LISS, quando há controle de batimentos cardíacos) e bike, por exemplo. “No inverno, concentro as aulas no LISS, como uma espécie de manutenção do corpo. A ideia é focar numa frequência cardíaca moderada, em movimentos constantes e de longa duração, o que tende a queimar mais gordura”. Guru fitness de modelos da Victoria´s Secrets, o ex-pugilista britânico Michael Olajide faz o mesmo com suas alunas. Para evitar que ganhem peso quando estão longe das passarelas, reduz a frequência cardíaca dos exercícios e alonga o treino. Ele garante que o método tem também benefícios para a beleza. “Cuidar da função cardiorrespiratória é o melhor anti-aging que há para o corpo e para a mente”, afirma. Aos 53 anos, ele sente na pele o que a ciência da comprovou: o LISS reduz a pressão arterial, assim como os hormônios ligados ao estresse.

Em 2016, a Dra. Miriam Nokia, do departamento de Psicologia da Universidade de Jyvaskyla, na Finlândia, publicou as conclusões do estudo que liderou sobre os efeitos do LISS no cérebro. Sua equipe usou três grupos de ratos para demonstrar como a geração de novos neurônios pode ser afetada de forma diferente pelo esporte, dependendo da modalidade eleita. Um grupo fez exercícios em rodinhas giratórias, por vários quilômetros ao dia. Outros, treinamentos de resistência com pesinhos. O último, HIIT. Os ratos do primeiro grupo, praticantes de LISS, desenvolveram novos neurônios ligados ao hipocampo, área do cérebro responsável pela memória e pela capacidade de aprendizagem. “Ocorre também uma clara melhoria na diminuição do envelhecimento cerebral”, afirma a fisioterapeuta Louisiana Meireles, cujo tema de doutorado na Universidade do Rio Grande do Sul e na Icahn School od Medicine, de Nova York, relaciona memória e atividades físicas.

Por outro lado, é preciso praticar o LISS corretamente para que ele tenha efeitos positivos. “Há evidências cientificas sobre a ineficácia deste tipo de exercício quando feito abaixo do recomendado”, alerta o professor de educação física, Vitor Ulisses de Melo, membro da Sociedade Brasileira de Fisiologia. “É preciso manter a frequência cardíaca em nível moderado, a partir de 60% do limite máximo. E praticar o exercício aeróbico por pelo menos meia hora, no mínimo três vezes por semana”, afirma. Em suma, siga devagar – ou quase – e sempre.

Fonte: Revista Elle, junho 2017

2 comentários:

Thiago disse...

Isso não é igual aos treinos de velocidade intercalados aos treinos de regeneração ativa ao longo da semana? Se for, eu pratico essas duas siglas complicadas na corrida desde... sempre :D

Rivania disse...

É, acho que é isso ai, Thiago!
Essas siglas são apenas uma forma meio científica de definir o que já sabemos ou praticamos intuitivamente. Beijos!