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quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Seja horário ou anti-horário

Há alguns meses, fazendo contas despretensiosas, facilmente cheguei à conclusão de que já corri alguns milhares de quilômetros (estimando por baixo, mais de 4.000 km) no mesmo lugar, na mesma volta de 1 km de distância. A área de lazer do condomínio onde moro há quase 6 anos tem sido meu principal local de treinos de corrida nos últimos anos. Já houve fase em que eu corri ali 50 a 60 voltas por semana e por semanas consecutivas. Já houve fase em que nem no intervalo de 30 dias eu fiz os mesmos 50 km. Mas de comum entre todos esses milhares de voltas de 1 km, simplesmente tudo. Conheço cada centímetro quadrado daquela volta do lago. Cada depressão do terreno que, segundo meu treinador, tem sido um treino gratuito de propriocepção nos últimos anos. Conheço cada Quero-Quero que cruza meu caminho me avisando que eu devo me manter longe dos seus filhotes. Conheço cada tangente que preciso fazer e não fazer. Conheço as sombras das árvores e, confesso, que às vezes me escondo nelas, mas às vezes, me escondo delas, pois, certo ou errado, amo a luz do sol. Conheço até o sabor da areia de um determinado trecho. Depois de tantos rodopios em volta de um mesmo quilômetro por anos seguidos, como não cair de cara no chão e me ralar inteira?! Sim, tenho, literalmente, as cicatrizes desse trecho no meu joelho esquerdo!

Joseph Goebbels, ex-Ministro alemão, disse há décadas que “uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade“. No meu caso, repeti tantas, mas tantas vezes aquele mesmo um quilômetro e, acreditem, sempre no mesmo sentido horário, que isso me trouxe uma auto percepção incrível de pace e distância. Mesmo quando corro sem relógio, sei, com precisão, qual meu ritmo e tempo de treino.
Mas nem tudo é conhecido por mim nessa volta de 1 km.

O que desconheço no momento exatamente anterior ao treino é a experiência daquele dia. Por mais conhecido que seja aquele mundo de 1 km para mim, ele me ainda surpreende.
Hoje, ao fazer meu treino de 7 km, vivi um instante diferente em um lugar muito igual.

No sentido oposto ao meu, caminham diariamente duas irmãs. Todos os dias em que corro ali, no meu usual sentido horário, elas estão ali, em seu sentido anti-horário. Mas a recíproca nem sempre é verdadeira... elas são bem mais disciplinadas que eu!
Eu e elas nos cruzamos ao menos duas vezes a cada volta que percorro correndo. E sempre na primeira vez que nos cruzamos a cada manhã, elas me presenteiam com um sorridente ‘bom dia, olha ela aí’. E seguimos nos cruzando outras tantas vezes, cada uma de nós imersa nos seus pensamentos, nos seus motivos para estar ali.

Hoje, no meu 3º quilômetro de treino, tive que parar para amarrar o cadarço do tênis. Nem percebi quando uma delas se aproximou de mim e disse algo como “aproveite sua juventude! Na minha idade e da minha irmã, após os 60 anos, nossas conversas quase que se resumem a ‘se lembra daquilo?” e a outra responde ‘não, me esqueci’. ‘Mas se lembra do fulano?’ E a outra diz ‘também não!’ Muito triste!”.
Ela sorriu e se afastou. Só tive a chance de, já voltando a trotar, dizer: “O que importa é que estão aqui enquanto vários outros estão em suas camas quentes às 6.30h da manhã!”.

Ambas sorriram, se despediram e seguimos nós três nos nossos mundos e, ao mesmo, naquele mesmo mundo.
Corri os restantes 3,5 km pensando como quero chegar à idade delas com essa disposição, com essa disciplina, com essa aparente vontade de viver e conviver.

Talvez elas nunca saibam desse post, desse blog. Talvez elas nunca saibam que às vezes me pego procurando-as na volta de 1 km do lago. Mas eu sempre saberei que ao menos uma paixão nos une. E saberei também que desejo muito chegar (e passar) à idade delas com essa visível alegria de viver que elas transparecem ter.
Minhas vizinhas anônimas do sentido anti-horário me fizeram hoje concluir que a beleza não está no sentido da volta de 1 km do lago. Horário ou anti-horário, a beleza está em estar ali!

No próximo post, motivado por esse, vou publicar sobre corrida e longevidade. Hoje elas me despertaram a vontade de entender mais sobre os benefícios da atividade física para os próximos anos e para os próximos muitos quilômetros!

"A vida é tão curta que só dá tempo de morrer uma vez"

2 comentários:

Bernardo disse...

Ola Rivania,
ficou muito bonito o texto, a maneira como voce descreveu uma experiencia que tinha tudo para ser imaginada por outras pessoas como uma monotona rotina, parabens!

Enquanto eu lia, surgiu para mim uma duvida: em circuitos "fechados" como o caso da sua volta, sera que nao seria indicado alternar o sentido da corrida, ora horario, ora anti-horario, para compensar eventuais desniveis, curvas acentuadas, etc? Percebi tambem que nunca fiz isso nos circuitos "fechados" que ja treinei.

Alem disso, creio que voce descobrira uma nova infinidade de coisas novas no "novo" percurso.

Bjos

Rivania disse...

É verdade, eu deveria alternar o sentido do percurso. Mas o treino emocional é tamanho, após tantos milhares de quilômetros, que eu resisto a isso.
Mas por que não tentar?! Um dia desses surpreenderei minhas vizinhas passando por elas e não mais cruzando com elas!
Obrigada,
Rivania