Difícil pra mim voltar atrás. Não por orgulho, mas pela convicção no momento da tomada de decisão. Em geral sou assim. Volto pouco atrás nas minhas deciões, principalmente as pessoais, pois, em geral, estou absolutamente convicta sobre elas. E eu estava convicta que em 2012 correria uma maratona. Postei sobre isso neste blog em 2011.
Mas eu voltei atrás. As circunstâncias e um grande zelo (talvez excesso de zelo) com minha longevidade na corrida, me fizeram voltar atrás. Talvez um dia eu ainda escreva um post sobre isso.
Mas tenho um amigo que não voltou atrás! Tomamos juntos, em Setembro 2011, a decisão de correr a Maratona de Buenos Aires em 2012. Eu voltei atrás. Ele seguiu firme no plano original. Só voltou atrás sobre qual maratona correr. No caso dele, as circustâncias também mudaram e um tal de Mizuno Challenge e uma tal de Amsterdã foram tomando espaço em sua vida nos últimos 6 meses.
A história é linda. O Rodrigo é forte e determinado. Generoso e disciplinado como são Corredores em geral. Ele sonhou um sonho: o sonho da maratona condizente com o Corredor que ele é. Ele construiu esse sonho. Todo santo dia, todo santo quilômetro. Ele foi para Amsterdã e concretizou esse sonho.
A partir daqui quem conta esta história, em capítulos, é o próprio Rodrigo - o sonho, a construção e a concretização. Tudo isso me fez lembrar de algo que sempre falo para os que convivem comigo: "cuidado com o que você verdadeiramente deseja, pois a chance disso se realizar é enorme".
Rodrigo, o sonho foi nosso! Mas você, mais que eu, desejou verdadeiramente... e deu no que deu! Tenho um orgulho enorme de você e compartilho de toda sua alegria.
Mas nos conte aí como foi, meu amigo maratonista!
Como nasce um sonho – Parte 1
Foi no
feriado de 7 Setembro de 2011... era uma divertida manhã entre amigos em
Interlagos, e durante os 10k do GP Runners, conheci a blogueira deste blog que,
em seguida, viria a se tornar uma grande amiga. E, por uma dessas felizes
coincidências da vida, foi nesse dia especial que tomei uma decisão que me
levaria até Amsterdam, prá realizar o que parecia um sonho distante.
Naquele
dia, contando e lembrando da amarga experiência da minha estréia em maratonas
em SP 2010 (que a própria Rivis reproduziu aqui: http://confissoesdeumacorredora.blogspot.com.br/2012/01/primeira-maratona-gente-nunca-esquece.html), foi que decidi que em 2012
faria uma maratona em alto nível – para os meus padrões, é claro! –, com a
preparação e a dedicação que a distância merece.
O projeto
inicial seria Buenos Aires, que tem se tornado uma boa opção para brasileiros
que querem uma boa prova (fria e plana) sem ter que desembolsar muita grana ou
dispor de um longo período para a viagem maraturística. Mas em março, lendo o
blog da revista RW, me interessei pelo projeto Mizuno Challenge (www.mizunochallenge.com.br), um concurso que levaria 6
corredores prá a maratona de Amsterdam. Prá conseguir chegar lá? Era
praticamente outra maratona...
Como se constrói um sonho – Parte 2
No Mizuno
Challenge, competi contra cerca de 5.000 inscritos, de todo o Brasil. 30 nomes
foram selecionados pelo perfil e categorizados entre corredores iniciantes,
intermediários e avançados – fui inserido nesta última categoria. Os candidatos
passaram por entrevistas no Rio, SP e Porto Alegre, e assim foram
definidos os 18 finalistas: 2 atletas de cada categoria por cidade, sendo que
ambos disputariam, em votação popular pelo Facebook, a chance de ingressar
entre os 9 que fariam o treinamento de 5 meses.
Na
votação, enfrentei o José Virgínio de Morais, o famoso “cabrito de Barueri”,
campeão da Meia Maratona da Disney em 2012 e Tricampeão Brasileiro de Corridas
de Montanha. Poderia ter dado a disputa como perdida mesmo antes de começar,
mas os amigos não me deixaram esmorecer e empurraram a campanha adiante nas
redes sociais. Após 10 dias de votação, venci a disputa com cerca de 1.400
votos (56% dos votos). Inacreditável, emocionante... prá mim, ali já era o auge
da felicidade!
Em maio,
começaram os treinamentos patrocinados pela Mizuno para os 9 finalistas. Recebemos material esportivo da marca, tivemos suporte
de treinadores e nutricionistas e participamos de alguns desafios para seleção
dos 6 que iriam para Amsterdam: uma prova de 10 milhas, um teste de velocidade
de 3km (teste Cooper), uma prova de ritmo sem relógio, 20km subindo 10 ladeiras
em sequência, um treino longo de 30k progressivos e uma prova de pista
contra-relógio. Depois de todas as etapas, obtive a vaga pelo critério técnico,
poupando meus amigos de nova votação no Facebook, que escolheria o 2º
selecionado para Amsterdam.
Ao longo
de todo o ano, o foco foi a maratona, e como bom engenheiro que sou, gosto de
números... então vamos lá! (com a ajuda dos relatórios do GPS).
Em 2012,
até a linha de chegada em Amsterdam foram...
- 122
atividades (entre mais de 100 treinos, 6 desafios e 7 outras provas)
- 1.520
km rodados, a uma média acima de 12km por treino
- 144
horas de treino (o equivalente a 6 dias ininterruptos correndo)
- por
semana, uma média de 35k e 3,5h de treino, com picos de 65km e 6h semanais
Mas a
verdade é que estes números frios não são capazes de traduzir toda a força e
apoio que recebi dos amigos e família ao longo de todo o treinamento. O
planejamento, o foco e a disciplina não seriam possíveis se ao meu lado não
houvesse pessoas tão bacanas e especiais, que junto comigo abraçaram este sonho
da maratona e que estavam ali, desde a largada em cada passada de Amsterdam...
Como se concretiza um sonho –
Parte 3
Alinhado
para a largada, na gélida raia 8 do Estádio Olímpico de Amsterdã, eu tentava
imaginar o desafio que me esperava... mas nem a mais otimista das projeções me
faria pensar na prova perfeita que estava prá ser realizada. Um sonho, que
resumo assim:
Fatores
externos:
- clima
ideal, sem sol, temperatura de 10°C, sensação de 6 ou 7°C, na medida perfeita
(o casaco voou no km2 e o manguito no km6)
- a
largada é cheia, nada muito grave, mas não dá prá correr livre nos primeiros
12k; também dá uma encaixotada na ponte sobre o rio Amstel, no km 19 (de novo,
nada grave - perdi uns 15 segundos).
- a volta
pela borda leste do Amstel (km 20 ao 24) é mais apertada do que a ida - prá
passar o pelotão dos pacers de 3h30, tive que meter o pé no cascalho e na grama
- o vento
(lateral), na área rural, exigia estratégia: 90% do tempo me escondi sob os
homens-muralha holandeses, no resto do tempo, dava uma refrescada no corpo.
-
hidratação em copo aberto, um pouco diferente do costume no Brasil - precisa
amassar a "boca" do copo prá não desperdiçar/engasgar
- música
nos kms finais, para não cair a motivação
- público
em 80% do trajeto (exceto área rural), com crianças oferecendo água ou com a
mão estendida para um "high-five"
- e
Amsterdam é plana, plana... imaginou uma panqueca? é por aí. Tá aqui: http://connect.garmin.com/activity/236320109
No
aspecto Corredor (a parte mais imprevisível), parece que naquele 21 de Outubro,
Murphy se escondeu do frio e não deu as caras... nada, simplesmente nada que
poderia atrapalhar minha prova aconteceu:
- o
posterior de coxa doeu suavemente no km 12 e assim seguiu pelos outros 30;
- o pé
direito, machucado pelo cimento da pista do último desafio, doeu lá pelo 25,
mas foi suportável;
-
poplíteo, calcâneo, canelite e fascite ficaram no Brasil...
- as
bolhas, comuns em 100% dos longos, passaram longe (concluí que são por causa do
calor, e não da repetição)
- na
alimentação, segui à risca a estratégia do amigo Iberê Dias, que recomendou 25g
de carboidrato a cada 30 minutos; não usei sal nem tomei isotônico.
E o mais
importante: a cabeça, que empurra com a mesma força que derruba, foi uma
fortaleza... ao passar pelo portão do Estádio Olímpico, nos 300m iniciais de
prova, foi como se eu tivesse entrado num túnel, onde eu só ouvia o som das
minhas passadas e do meu corpo, como se eu estivesse sendo levado numa espécie
de transe em direção ao próximo quilômetro... de tempos em tempos eu checava o
ritmo no relógio, e ele quase não oscilava... esperei pelo cansaço, pelo muro,
pela fadiga, pelas cãibras... nada... esperei tanto que só resolvi queimar os
últimos cartuchos de energia já a 500m da chegada.
Foi quando avistei a minha esposa que com um grito
de "Vai, Rô!" me deu o melhor e o pior momento da prova: me arrepiei
de emoção e ao mesmo tempo o choro me impediu de respirar... uns 3 segundos de
apnéia e pânico às portas do mesmo Estádio Olímpico, ali onde eu deixava o tal
túnel prá cair na realidade que estava se concretizando: a tão sonhada maratona
sub-3h30. A prova da minha vida!