Li essa crônica do Antônio Prata que é um escritor e blogueiro de mão cheia e, para variar os temas dos posts, resolvi transcrever para vocês. Uma pausa nos temas de nutrição, musculação e variações de treino para falar ainda (e sempre!) de corrida, mas de uma forma diferente.
O Fim do Moleton
"Disse minha mulher:
- Lá é frio, como você vai correr?
Estávamos indo para NY, em lua de mel. Segundo a previsão, faria entre 0 e 5 graus. Eu nunca tinha corrido àquela temperatura.
- De moleton, ué.
- Moleton?? Calça e casaco de moleton?
- Aham
Houve então um silêncio, durante o qual fiquei pensando, feliz, no quanto meu amor se preocupava comigo. Foi quando ela abriu um sorriso sarcástico e disse:
- Sei, tipo o Rocky Balboa, subindo as escadas? - e deu um soquinhos no ar.
Aí percebi que sua preocupação não era com meu bem-estar térmico, mas com a vergonha que passaria ao sair do hotel ao lado do marido em seu traje abrigo-completo.
Revoltei-me.
- Escuta, moleton é pra isso! Como é que você acha que eles correm lá, no frio??
Nos 15 minutos seguintes, ouvi uma aula sobre a evolução das fibras sintéticas e a tecnologia esportiva do século 21. Segundo ela, o moleton estava em extinção e os "abrigos" sobreviventes eram mais raros que os mico-leões-dourados.
Fiquei triste. Envolto nesse morno e flexível material, enfrentei boa parte dos meus momentos sobre a Terra. Na infância, criava um escarcéu toda vez que minha mãe queria me vestir jeans ou malhas de lã. Aquelas roupas apertavam, impediam o movimento, pinicavam - sem contar a ameaça do zíper, pequena guilhotina sempre à espreita.
Lá pelo ginásio, os mais descolados foram trocando os moletons pelos jeans. Demorei para fazer a transição. Via na minha insistência nas calças vermelhas, azuis, verdes e amarelas, uma atitude de resistência contra a babaquice desconfortável e misteriosa chamada adolescência. Como se dissesse: "Traiam vocês suas convicções em nome do status social! Eu permanecerei fiel Às raízes, flexível e quentinho!"
Me rendi ao perceber que, se algum dia pretendia despir-me diante de uma mulher, seria preciso vestir uma calça jeans. Desde então, o moleton virou a roupa de casa, o pijama de inverno. E quando eu teria a chance de usá-lo novamente na rua, minha mulher vem me dizer que já era?
Não lhe dei ouvidos! Pus meu conjunto na mala e parti para NY. Logo no primeiro dia, vesti o famigerado e fui correr no Central Park. De fato, muitos esportistas vestiam essas microfibras high-tech, mas para meu alívio avistei corredores como eu, vindos diretamente do século 20.
Voltei da viagem tranquilo. Ao que parece, micos-leões e humanos de moleton ainda poderão ser vistos por mais alguns anos sobre a face da Terra. Importante, agora, é trabalhar a relação, seriamente abalada por meu visual Rocky Balboa. Tudo bem. Nada que um bom jantar não resolva: de camisa branca, sapato preto e calça social, como convém."
Antônio Prata é escritor e blogueiro. Já foi sedentário e barrigudinho. Descobriu na corrida a saída para ficar em forma. E adora uma boa esteira.
Fonte: Revista Runners - janeiro 2011
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